Pastel de beringela

Mal chego na barraca de pastel da feira e o cara já grita:
– BERINGELA??
Todo mundo, num raio de cinco metros, olha espantado pra minha cara, a pervertida da beringela.

Sullyanny

Eu fui uma criança muito quieta. Sabe aquela história de que, quando uma criança está muito quieta, você deve ir atrás, que ela está aprontando alguma coisa? Acontecia o tempo inteiro. Meus pais iam atrás e eu estava tipo lendo, desenhando.
Um dia eu comecei a falar que queria uma irmãzinha. Ela veio, só que com a macaca. Era o dia inteiro correndo, pulando; eu não tinha mais sossego. Um dia eu chamei a minha mãe: "Eu pedi uma irmãzinha, não isso. Não dá pra devolver e pegar outra?" Não deu.
Hoje ela faz aniversário. Parabéns, Suliane! Ainda bem que não deu pra te devolver!

Mansplaining

Estava lendo uns causos hilários de mansplaining e lembrei de um dia, depois de uma festa, de madrugada, que eu tentei pedir Uber e não tinha nenhum carro disponível. Aí um cara falou: "Reinicia o aplicativo." Eu: "Acabei de reiniciar." Ele: "Não reiniciou não, eu não vi. Você não sabe mexer." E começou a me explicar. Isso: não é que não tem carro disponível no meio do nada, de madrugada, é que eu não sei usar o U B E R,   o   a p l i c a t i v o   m a i s   c o m p l i c a d o   d o   u n i v e r s o.
Só ele que sabe,
o gênio,
diferentão,
Mark Zuckerberg,
5 estrelas do Uber,
rei das interfaces.

A banalização da buzina

Estava descendo uma rua dos Higienópolis e os carros estavam todos parados. Não dava pra ver o que estava segurando o trânsito, mas os motoristas, alucinados, buzinavam sem parar, punham a cabeça pra fora e gritavam contra um mal invisível (depois de alguns minutos andando eu vi que era o caminhão recolhendo o lixo [deles] ). Enquanto isso eu ia gritando: "Chupa, carrocracia! Olha eu aqui andando a pé mais rápido do que vocês! Chupa, Higienópolis, FHC!" Mas isso só mentalmente. Fiquei tão compenetrada rindo dos nervosinhos que passei pela padaria onde eu queria parar pra comprar um quiche e nem vi. Fiquei com preguiça de voltar, afinal era subida e eu estava a pé. Fui embora sem quiche. Entrando no metrô, uma senhorinha, distraída que nem eu, foi virar e deu com a bengala na minha perna. Ela pediu mil desculpas e eu só sorri e falei que não tinha sido nada, afinal eu faria a mesma coisa se andasse por aí armada de uma bengala (um dia eu comprei uma tábua de passar e peguei o metrô com ela e foi um desastre anunciado). Depois disso, já no trem, um cara foi virar e me deu uma cotovelada no peito. Ele pediu mil desculpas e eu queria falar que estava tudo bem, afinal eu faço isso o tempo inteiro com as pessoas por motivos de andar por aí armada de dois cotovelos e pouca atenção mas não deu porque eu estava sem ar. No final o que ficou foi o pressentimento de que de que eu estava sendo castigada por ficar andando por aí rindo dosotros, mas o saldo acho que ainda foi positivo, então eu vou continuar rindo, sim. Beijos.

Pra pregar um prego

Não é fácil ser metódico. Você quer bater um prego na parede, mas não é só ir lá e bater o prego, tem que alinhar com alguma coisa. Na vertical você alinha com o interruptor, mas na horizontal não tem com o que alinhar, porque o interruptor está muito baixo e o resto da parede ainda está vazia. Aí você decide alinhar com o olho-mágico da porta, mas a porta está muito longe, então você pega a vassoura pra fazer uma linha entre o olho-mágico e o lugar do prego, mas o cabo da vassoura não é longo o suficiente, então você pega o rodo. Rodo, régua, nível, lápis. Não consegue segurar tudo. Chama o marido pra ajudar. Depois de cinco anos o marido já nem questiona mais a necessidade disso tudo. "Quer alinhar o prego com o olho-mágico? Vamos alinhar." Segura rodo, régua, nível. Você marca com o lápis. Mede tudo de novo pra garantir que marcou certo. Marcou certo. 15 minutos passados. Bate o prego. Pendura a parada. Olha e acha que ficou torto. Sofre.

Agora há pouco

Acabei de lembrar que a caminho da feira fui acometida por um medo súbito de ter escrito "agora há pouco" errado no post de ontem. Parei imediatamente pra conferir. Estava certo, grazadeus.
Lembrando que eu sou casada com o cara que de tempos em tempos desperta assustado do sonho recorrente de que está de novo cursando Cálculo 2.
Imaginem os filhos! 

Camiseta preta

Vesti uma camiseta preta que estava jogada pelo quarto, peguei o meu carrinho e fui pra feira. Logo no comecinho, na barraca de pastel, um monte de gente de preto acena pra mim. Fingi que não vi e continuei andando, sem entender nada. Uma mulher pipoca do nada ao meu lado:
–Tá de luto, né?
–Não…
–De luto pelo Brasil…
–Ah… Não, foi uma coincidência…
(Isso que dá ter bloqueado todas as páginas que divulgam as correntes pró-impeachment.)
–Pra Dilma cair, o Lula ser preso…
–Desculpa, senhora, mas foi coincidência mesmo. Eu não concordo com isso…
Saí andando rapidinho. A mulher foi se reunir com o pessoal da barraca de pastel. Daqui a pouco estavam todos os enlutados olhando pra mim e gritando coisas que eu não consegui entender.

Pelo menos de tédio a gente não pode reclamar, né?

Instituto Lula

Agora há pouco, quando saí pra correr, resolvi passar em frente ao Instituto Lula. Umas dez pessoas protestando e pelo menos o dobro de repórteres. "Lula ladrão! Dilma vagabunda!", a pauta de sempre. (Ainda vale a pena questionar por que homem é xingado de ladrão e mulher de vagabunda?) Dois minutos depois, o portão eletrônico ameaça abrir. Parece que é o Lula que vai sair. O pessoal da cobertura corre todo pra lá. Corro junto. Fico impressionada com o meu timing - acabei de chegar e já vou ver o Lula. Lembro que a minha camiseta é pink e no escuro parece vermelha, mas a minha curiosidade é sempre bem maior que o meu bom senso. (A curiosidade foi um dos motivos pelos quais eu um dia quis ser jornalista. Os outros são o gosto pela escrita e pela fofoca.) O carro sai. Levo várias cotoveladas dos cinegrafistas. Todo mundo corre em cavalaria atrás do carro. Os vidros do carro são pretos e eu não consigo ver se o Lula está mesmo dentro do carro. Uma repórter fala que os manifestantes jogaram pedras no carro. Nenhuma pedra voou. A outra fala em multidão. Olho em volta e as mesmas dez pessoas. A honestidade da cobertura não sobrevive nem a uma saída de um carro da garagem.

Agora achei essa foto. Realmente era o Lula dentro do carro. O fotógrafo que tirou essa foto está de parabéns, porque olha! O Vitor acha que essa mancha vermelha na foto é a minha camiseta. Taí uma pessoa que entende menos de fotografia que eu. 

Falar que houve uma pedrada quando não houve não é pior do que o que quer que seja, mas não deveríamos ser a mudança que queremos ver no mundo? (Isso foi sim uma indireta pro Moro. Espalhem até chegar nele! =P)  

Estante

Nunca achei que um dia diria isso, mas metade da minha estante agora é composta por livros de ficção científica, cálculo e russo. Por outro lado, acho que o Vitor Hugo​ agora possui mais livros de poesia, gramática e de colorir para adultos do que jamais imaginou. Só tem uma coisa em que todo mundo concorda: livros têm que ser organizados por cor.
Agora me ocorre que essa estante é, na verdade, uma boa metáfora para o casamento.

Coisas que acontecem quando eu viajo sozinha

Hoje eu queria ir até um tal de um mirante, então eu andei até o pé do morro e de lá eu subi por uns caminhos tortuosos seguindo as pessoas, sem prestar atenção em nada. Vista linda, tudo muito legal e tal. Depois eu não fazia a menor ideia de como sair dali. Rodei uma meia hora e nada. Aí encontrei um trenzinho desses que fazem tour pela cidade, parado e vazio. Pensei: "Acho que é a minha única chance de sair daqui. Vou esperar que logo deve aparecer o motorista." Umas pessoas foram chegando e sentando no trenzinho. Pensei: "Esse povo deve saber o que tá fazendo. Vou sentar também que o moço deve passar depois cobrando." Daqui a pouco chega um grupo de idosos falando que eu não deveria estar sentada ali porque eu não tinha o ticket. Fui comprar o ticket com o motorista e ele falou que não era ele que vendia o ticket, que ali não era o ponto inicial do trenzinho e que eu tinha que ir até a praça não sei das quantas. Pensei: "Moço, se eu soubesse como chegar lá, não precisaria pegar esse trenzinho." Fiquei com vontade de oferecer dez euros pra ele me deixar ir embora dali com o grupo de idosos. Achei melhor não. Sete horas depois, cheguei de boa à tal da praça e falei pro motorista: "Parece que o jogo virou, não é mesmo?" Mentira, não tinha mais ninguém lá.